Reclamamos do calor, mas não abrimos a janela para olhar o
sol. Conotamos como urgente a presença de um feriado, mas desmerecemos o mesmo
caso nada de divertido aconteça. Mentimos para nós mesmos para nos escoltar dos
nossos próprios julgamentos, mas categorizamos qualquer mentira alheia como
deslavada. Designamos uma repulsa por sempre ter a mesma coisa para comer, mas
não nos dispomos a levantar e fazer algo diferente.
Citamos como descaso um animal perambulando pela rua, mas
não deixamos o nosso gosto capitalista e padronizado de lado para adotar um
companheiro às vezes nem tão belo assim. Cuspimos a péssima qualidade da
educação pública, mas vamos para os locais de ensino sem vontade de aprender.
Pregamos o moralismo nas redes sociais, mas não olhamos na cara do porteiro.
Buscamos volta e meia fugir de alguma blitz, mas reclamamos
da falta de policiais nas ruas. Achamos burrice que nossa felicidade dependa da
aprovação de terceiros, mas temos medo dos julgamentos alheios. Discorremos
amar o sol, mas procuramos a sombra. Gostamos de misturar doces e salgados, mas
não respeitamos os gostos alheios. Queremos sempre mais, mas não repensamos se
realmente somos merecedores de mais.
Cobramos amizades fidedignas, mas não esperamos elas saírem
de vista para tecermos comentários questionáveis. Queremos mais rapidez e
acessibilidade da tecnologia, mas afrontamos a falta de brandura das pessoas.
Deixamos de ajudar um mendigo por pré-julgamento de uso para alcoolismo, mas
reclamamos que o mundo está carente de gentilezas.
Questionamos a programação televisiva, mas não trocamos um
capítulo de novela para ler um livro. Dizemos não encontrarmos pessoas
interessantes, mas por um momento não largamos a tela do celular para arriscar
um simples olá. Observamos os erros alheios de uma ótica próxima, mas não damos
três voltas dentro de nós mesmos. Sabemos receber todo amor do mundo, mas não
sabemos perdoar os erros por excesso dele.
Acordamos com preguiça de levantar da nossa cama quentinha,
mas classificamos pessoas sem condições de esmorecimento. Colocamos atenção em
acusações injustas sobre nós, mas não olhamos quem colabora com opiniões
regadas de amor e esmero. Estamos
constantemente munidos de críticas, vulgo construtivas, mas não sabemos nos
desnudar perante uma.
Não abrimos mão do nosso conforto diário, mas indagamos
sobre a poluição mundial. Queremos ligações genuínas com outras pessoas, mas
bloqueamos sentimentos por meio de proteção. Gostamos da amplidão dos nossos
egos exaltados, mas não aceitamos ser ignorados quando precisamos tanto ser
vistos. Procuramos pessoas inteiras, mas só queremos doar metade de nós.
Queremos mudar o mundo, mas não mudamos nossos hábitos.
Frederico Elboni
Nenhum comentário:
Postar um comentário